segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Coisas de nossa natureza

Eu sempre achei que o mundo, digo, as coisas naturais, como o Sol, a Noite, o Vento. Não seres meramente fenômenos da natureza. E sim, forças errantes, que de alguma forma, influenciam nossas vidas, nos tornando meros instrumentos de seus desejos. Hora para o bem, hora para o mal. Hora, ou só por hora, em prol dos anseios que insistimos em encurralar no fundo de nós mesmos.

Aquela noite era uma dessas em que tudo conspirava para a afloração dessas vontades, as que guardamos no fundo de nossos armários.

Estava quente, fruto do sol escaldante do dia. A chuva da tarde apenas fora suficiente para afugentar os mosquitos para dentro de casa, e a empelotar o céu de nuvens. Que vieram com o vento que cessou. As nuvens funcionam como uma grande rolha que impede que o nefando calor ganhe o espaço, e também a passagem à brisa fresca, das noites de primavera. No fito de que esta não entre.

Eu andava incomodado; de um lado para o outro. Tomava banhos, que de nada adiantavam. Alguma coisa me impelia. Os mosquitos ajudavam, carregando-me para porta. Olhei para ela. Linda, indolente... Estirada em meu sofá.

Seu olhar cúmplice me mandava ir.

Após muitos anos de solidão voluntária, me rendi a ela. Sua doçura e dependência por mim, alimentaram um dos amores mais puros, que eu jamais ousei sentir. até esse momento.

Era quase uma criança quando a conheci, fato que me envaidece até hoje. E num ímpeto, levei-a para casa. E já se passam três anos de uma relação perfeita.

Não sou uma pessoa dada a muitos carinhos, mas me conforta saber que ao acordar, ela estaria ali, junto a meu peito, me fitando preguiçosa.

Nunca fui dado a muitas palavras, que ela jamais falaria.

E foi sem palavras, que ganhei a rua. Não precisei andar muito para encontrar meu destino. O bar estava cheio, talvez todos movidos pelo mesmo desejo.

- Uma cerveja, por favor!

Duas, três, mais uma vez. E uma vez mais, observo que ninguém sai. Como àquela altura, não entrava mais ninguém . Talvez pelo desconforto da superlotação e pela indefectível ineficiência do ventilador de teto. “Outra cerveja!”

E até perdermos a conta.

A Loira sai do banheiro, não muito bonita. Contudo, àquela altura da noite, desejável. Pensei nela; esqueci. Um vento quente desabotoou mais um botão de minha camisa. A Loira me olhou blasé, como que me queria. Ou só queria, sei lá o quê. Hesitei um pouco. Sentei-me ao seu lado. A mulher mostrou desinteresse, mas não me impediu de sentar ao seu lado. Sussurrei algo em seu ouvido, que nem eu mesmo entendera. Ela sorriu e fixou seus olhos em mim.

Eu não a beijei, e corri os dedos pelo seu decote. Acompanhando a gota de suor que nascera em sua face.

Começou a chover novamente; desta enfraquecida pela vida ausente do outro lado da porta. O bar não está mais cheio. A rua, esta parece morta, e nos chamava...

Eu não a beijei. Mas enxuguei, hora com as mãos, hora com a língua, cada respingo de chuva. Cada rastro de suor... Um nojo despropósito tomou conta de mim. Asco pelas sardas, pelas rugas. Pelos dentes amarelos, pela ausência deles.

Pelo sexo quente. Pelo ruído rente aos ouvidos. – Que alguns chamam gemidos. Uma vontade de matá-la tomou-me quase que instintivamente. Uma maior que o arrependimento que poderia eu vir a ter. Pior que a constatação de que o ser humano é meramente um animal.

Dessa vez eu não matei!

Corri pra casa em meio à chuva que apertava. Pensei somente em minha casa. Ansiei somente minha casa. -Como ela estava? Lembrei e não esqueci. Enquanto as tais forças atuavam.

Abri a porta, a casa escura que me observava, e que eu assim deixara.

Acendi a luz e logo reconheci o rastro. Era sangue! E logo avistei o cadáver, perfurado em vários pontos. Corri assustado. Liguei a luz da cozinha. Outro corpo se apresentava. Cirurgicamente, sem a cabeça... Que encontrei rente a pia.

Deixei de ter medo e comecei a me preocupar. Poderia ser aquilo uma invasão? -Mais do modo em que estavam... Não deveria ter sido em legítima defesa. A fêmea, por instinto, caça.

E como eu, resolveu se divertir. Mas ao contrário de mim... Matou!

Corri para o quarto e ela estava lá se espojando na cama. Plácida, como se nada ali houvera. Impassível, sem ar de remorso.

Pronta para me pedir carinho. Lambendo o sangue de seus pêlos... Como um gato deve agir.

E a mim, basta a humilde tarefa de aceitá-la como ela deve ser. Tirar os corpos dos ratos da sala, da cozinha. E rezar para a madrugada a minha volta refrescar. Para que possamos dormir, e no dia que se aproxima, novas forças voltem a atuar.

Rogério Mansera

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