quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O Diabo na Portela

Quase todo mundo já ouviu falar que, quem conta um conto, aumenta um ponto. Então, não seria exagero dizer que muitas estórias que ouvimos como mais absoluta verdade, podem ter nascido da simples verdade, ou da mais absoluta mentira. Para tanto, há estudiosos das mais diversas áreas dispostos a desmistificar o que se dá como certo no imaginário popular. Então, caso se prove o contrário, vou contar uma tese de um amigo à cerca de um grande mistério que assombra a humanidade durante séculos: A existência do Diabo.

Ele disserta que, se Deus é tão poderoso e bondoso, porque permitiria a existência do Diabo? Como resposta, conta que ele não passaria de um mero funcionário com a responsabilidade de punir as almas de má conduta aqui na terra. Como um chefe de um sistema carcerário. Então o Capeta seria tão somente a “mão pesada” da justiça divina, o castigo ou simplesmente, aquele a quem devemos temer no além morte, caso tenhamos carregado algum pecado sem absolvição.

Mas, nós sem o menor conhecimento desse fato, costumamos culpar incessantemente o Diabo por todo mal feito. O tememos sem se dar contas que ele apenas cumpre ordens de um superior. E se realmente ele existe, e é um Anjo do Senhor com função tão importante na “mecânica” celestial. - Assim como, por exemplo: São Pedro, que tem por ofício guardar as chaves do céu e encaminhar as almas a seus devidos lugares. Porque ter uma reputação tão duvidosa? Porque aturar tanta impopularidade e medo? Ser tão odiado!

Talvez seja esse o motivo pra tamanha revolta e tê-lo feito se rebelar contra seu chefe. A razão para que fosse conhecido como um anjo decaído, e ter ele descido a terra e a escolhido como seu reino. Daí a criação da famosa expressão: “O inferno é aqui”.

E não é por acaso, que me deixou com a pulga atrás da orelha, uma história que ouvi do primo do cunhado de uma amiga de meu meio irmão, contada a minha tia, que tem um ex-marido que mora em Madureira e ouviu tudo de uma senhora que morava na mesma rua em que tudo aconteceu.

Conta, sem uma vírgula a mais, que no ano de 1965 mudou-se para sua rua, do bairro carioca um homem, que por seus hábitos e atitudes começou a despertar a curiosidade, e até mesmo, o medo nos moradores das cercanias.

Já quando iniciaram as obras naquele terreno baldio, bem na esquina de uma famosa encruzilhada. A mesma que abrigava os despachos feitos em noites de sexta-feira. Terreno onde eram enterrados os animais de estimação mortos do pessoal das redondezas. Onde também eram desovados os corpos dos assassinados por dores de amor, ou somente por descuido ou ódio de quem matou. Todo mundo se espantou pelo fato de alguém ter coragem de construir alguma coisa ali naquele lugar, ainda mais morar nele!

E foi muito rápido o término da obra, como também espantosa a beleza e o tamanho do imóvel. O que aumentava ainda mais a curiosidade sobre as pessoas que iriam ali morar. A mudança custou a chegar, mas quando chegou só fez crescer os rumores sobre os seus moradores. Eram móveis luxuosos, em sua maioria na cor preta com detalhes em vermelho, e também muitos objetos estranhos em ouro. E só uma semana depois finalmente chegou seus moradores, um casal. Eles eram pessoas discretas em princípio, quase não acendiam as luzes, viviam literalmente em trevas. Mas sua presença era forte.

Ele, um homem de baixa estatura, extremamente branco, cabelos loiros e compridos, ostentava um cavanhaque negro e cheio. Ela, uma mulata portentosa, como deve ser uma mulata. Seios que desafiavam a lei da gravidade e ancas enloquecedouras. E um detalhe curioso, também era loira. E tanta exuberância causava inveja em todos as mulheres do bairro. Os homens, por sua vez, invejavam o marido. E a inveja foi crescendo quando começaram as festas. Muitas eram as lindas mulheres que entravam, muitas eram as gargalhadas, gritos e gemidos. Muita bebida e fartura e música alta. Dizem alguns ter visto algumas delas correndo nuas no quintal. Mas ninguém viu nenhum homem entrar na casa. A mulata nem se importava e estava sempre com um sorriso estampado em sua boca carnuda.

Aos poucos ele começou a freqüentar o comércio. Era extremamente simpático, distribuía sorrisos por onde passava. Bom de papo agradava a todo tipo de gente. Dava gorjetas altas aos que lhe serviam e ajudava os mais pobres, sem pestanejar. Não demorou muito, se tornou popular. Mas sempre discreto sobre sua vida particular, deixando escapar somente duas coisas: Era América doente e apaixonado pela escola de samba do lugar, a Portela. E com tantos admiradores de sua personalidade e generosidade, logo foi convidado para a diretoria da escola. E foi ele mesmo que sugeriu o enredo, não por acaso, militar.

E como uma mensagem subliminar, seu enredo foi escolhido, não necessariamente assim, militar. E ele vaidoso como nunca, começou a ajudar financeiramente a escola, e começou a ser chamado de “Patrono do Carnaval”. Nunca antes a quadra da escola tinha ficado tão cheia, nunca os ensaios tinham sido tão animados. Pois bastou o carnaval chegar pra Portela arrasar na avenida e sagrar-se campeã do desfile de 1966. Mas não é que alguns vizinhos mais desconfiados atentaram para o detalhe crucial: Carnaval, a mais pagã das festas, 966. Nove ao contrário 6, então: 666. – A marca da besta! Somado a todas a estranhezas e ao dinheiro inexplicado (nunca o viram sair para trabalhar), foi fácil chegar a conclusão de que aquele homem era nada mais, nada menos de que o próprio diabo.

Desde então, começaram a hostilizá-lo. Muitas foram as orações em alto em bom som na porta de sua casa. Crucifixos atirados, água benta e até alho. E todos esqueceram que a alegria e a tristeza jogam do mesmo lado. O “Diabo” foi julgado e impiedosamente condenado. E simplesmente, como uma chuva passageira a mudança chegou. Levando tudo embora, rápida e discreta como deveria ser. A lembrança da mulata ainda passeou no imaginário dos homens por algum tempo... A Portela, sagrou-se campeã novamente, mas não no ano subseqüente, e nem frequentemente como costumava ser. Alguns diziam que ainda ouviam os risos de dentro da casa. Mas como a identidade do homem, nada se confirmou! A casa pegou fogo, anos depois acertada por um raio, conforme alguns disseram. Mas aquela altura do campeonato quase mais ninguém se lembrava do fato.

E como, quem conta um conto aumenta um ponto, fica difícil saber se existe alguma verdade, nesta nem tão simples estória, ou tudo não passa de uma grande mentira. Quem sabe um dia, algum historiador ou teólogo vai desvendar este mistério. Mas há um fato inexorável: Mesmo depois de sumido ele ainda rege o feriado, dando seus pulinhos. Enfim, o Diabo continua sendo o Patrono do Carnaval. E acredite quem quiser!

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